“Para todos vós, agora, artistas,
que sois prisioneiros da beleza e que trabalhais para ela: poetas e letrados,
pintores, escultores, arquitectos, músicos, homens do teatro, cineastas . . . A
todos vós, a Igreja do Concílio afirma pela nossa voz: se sois os amigos da
autêntica arte, sois nossos amigos.
Desde há muito que a Igreja se aliou convosco. Vós tendes
edificado e decorado os seus templos, celebrado os seus dogmas, enriquecido a sua
Liturgia. Tendes ajudado a Igreja a traduzir a sua divina mensagem na linguagem
das formas e das figuras, a tornar perceptível o mundo invisível.
Hoje como ontem, a Igreja tem necessidade de vós e volta-se para
vós. E diz-vos pela nossa voz: não permitais que se rompa uma aliança entre
todas fecunda. Não vos recuseis a colocar o vosso talento ao serviço da verdade
divina. Não fecheis o vosso espírito ao sopro do Espírito Santo.
O mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no
desespero. A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos
homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as
gerações e as faz comungar na admiração. E isto por vossas mãos.
Que estas mãos sejam puras e desinteressadas. Lembrai-vos de que
sois os guardiões da beleza no mundo: que isso baste para vos afastar dos
gostos efémeros e sem valor autêntico, para vos libertar da procura de
expressões estranhas ou indecorosas.
Sede sempre e em toda a parte dignos do vosso ideal, e sereis
dignos da Igreja, que, pela nossa voz, vos dirige neste dia a sua mensagem de
amizade, de salvação, de graça e de bênção.”
(mensagem do Papa Paulo VI, aos artistas, na
conclusão do Concílio Vaticano II)
Neste ano, em que se assinalam os cinquenta anos do Concílio Vaticano
II, convocado pelo Papa João XXIII, a Universidade Católica Portuguesa, de
Lisboa, tomou a iniciativa de realizar, a 15 e 16 de Novembro, as Jornadas de Litúrgia, Arte e Arquitectura,
que reuniu no mesmo auditório padres, cardeais, arquitectos, estudantes e outros,
na tentativa de se fazer diálogo entre a litúrgia, a arquitectura e a arte em
ambiente de Igreja.
No Painel 1 destas Jornadas, propunha-se que, à luz do Concílio
Vaticano II, se analisásse a litútgia no contexto conciliar, o espaço litúrgico
enquanto identidade da Igreja e a litúrgia no plano pastoral, tendo como
exemplo a comunidade da Serra do Pilar. Para debater estes temas estiveram
presentes Frei Bento Domingues (op. Teólogo), o Padre João Norton de Matos
(doutorando Centro Sèvres) e o Padre Arlindo Magalhães (Teólogo, UCP Porto). O
Painel 2, confrontou a litúrgia com a arte, tendo como conferencistas o Curador
Paulo Pires do Vale (UCP Lisboa), o Padre Joaquim Félix (Liturgista, UCP Braga)
e, ainda, o Cardeal italiano Gianfranco Ravasi (Pontifício Conselho para a
Cultura) que nos veio falar da retoma do diálogo entre a Igreja e a Arte. O
Painel 3, apresentou-nos a arte no contexto arquitectónico pelos olhos do
Arquitecto italiano Glauco Gresleri (Universidade de Pescara), do Arquitecto
João Alves da Cunha (Doutorando FA-UTL) e do Arquitecto Bernardo Miranda
(CIES-ISCTE, doutorando FA-UP). A fechar este ciclo de conferências, no Painel
4, debateu-se o futuro destes três grandes temas Litúrgia, Arte e Arquitectura,
com conclusões do Padre Manuel Pereira da Silva (Liturgista. UCP Lisboa), do
Historiador de Arte Marco Daniel Duarte (Museu do Santuário de Fátima) e do
Arquitecto Diogo Pimentel (SNIP). Para terminar, uma nota breve do Cardeal
Patriarca D. José Policarpo que nos falou acerca da actualidade do Concílio
Vaticano II.
Ao longo dos dois dias foram debatidos pontos de grande relevância e,
decerto, muito ficou por dizer. Penso que é muito importante que cada um
“perca” um pouquinho do seu tempo a confrontar estes assuntos e que, realmente,
cresça nesse confronto. Era esta a minha expectativa para estas Jornadas,
“perder” tempo a debater três pontos da minha vida: a litúrgia, enquanto cristã
e membro activo na minha comunidade, e a arte e a arquitectura, enquanto
estudante destas áreas. Portanto, resumo estas Jornadas como um grande três em
um.
Enquanto
vivência de Igreja, há a reter o facto de que a Igreja celebra e vive a litúrgia
e que é Cristo o centro da litúrgia e, em torno deste facto, gera-se o rosto da
Igreja que se reconhece como povo de Deus, como nos diz o documento Lumen Gentium.
Nesta questão do povo de Deus, entra a noção de Comunhão, sustento da
Eucaristia, vista como espaço litúrgico. Então a própria litúrgia é espaço.
Espaço de oração, espaço de relação. É, portanto, neste espaço de relação, que
a assembleia se reúne. E, se no contexto de arte, vimos como é importante que o
espectador participe na obra, se adentre nela e se sinta nela, então é isso que
também é importante quando se fala de litúrgia. É importante que a assembleia
participe, se adentre e se sinta nesse espaço litúrgico de encontro e de
oração. Isso é-nos ilustrado na primeira imagem. É uma imagem muito corrente
que descobri ser uma obra importante. Os espectadores foram remetidos para uma
sala vazia com paredes brancas e foi-lhes pedido que escrevessem na parede, à
sua altura, o seu nome. A este tipo de obra, chamamos Happening. É um tipo de
obra que incorpora espontaniedade e improvisação, que nunca se repete da mesma
maneira. É assim, que é importante que se viva a litúrgia de uma forma
espontânea, que vivamos nela e que ela não se repita em nós da mesma maneira,
mas sempre de forma mais apaixonada porque a litúrgia é o visível do invisível,
é a Igreja e a Igreja é a preseça da acção de Cristo no mundo de hoje. E, tal
como é importante que se olhe a arte com contemporaneidade, ou seja, dar vida à
própria arte e ter o desejo que a arte faça parte da vida, também é importante
que se dê desta contemporaneidade à litúrgia e à vivência em Igreja.
No concreto da arquitectura, importa que o
espaço interior de uma igreja seja espaço de litúrgia nova, não adianta que o
espaço exterior seja moderno se o interior continuar igual. E isto, é assim
também pessoalmente, que adianta que o nosso exterior seja “moderno”, que
adianta que mostremos algo que depois o nosso interior não é? É como nos mostra
o cartoon. Tentamos perceber o que uma obra representa, mas nunca nos
questionamos acerca do que é que nós próprios representamos.
Quando é necessário repensar um lugar para a litúrgia, não significa
que esse repensar, esse requalificar o espaço lhe mude o caracter. Há uma
dimensão construtiva na Igreja, que não são a pedra nem o tijolo, mas sim as
pessoas! Quando um Homem põe um chapéu, o chapéu é a cobertura e o Homem é a
própria casa. Quando há um circulo de Homens debaixo de um chapéu, cada Homem
torna-se pilar. Além de Homens são cidade, são comunidade. É isso que é ser a
Igreja. Para haver esta dimensão construtiva na Igreja, feita de pessoas, é
necessário fazer aquilo que um dos arquitectos registou como “ressourcement”,
uma refontalização, um regresso às fontes, à fonte que é Cristo que nunca parou
de jorrar. Cada um, que vive em Igreja, não faz arquitectura para o outro.
Enquanto Igreja, fazemos arquitectura para o nós, porque lembramos Cristo, que
veio para servir e não para ser servido. É assim que é feita a experiência do
povo de Deus.
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