sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Treinar o Olhar!

Ontem, durante o jantar, alguém dizia qualquer coisa do género:
"-Dantes, ficava debruçado a olhar para as pessoas a passar e é engraçado como a forma de andar das pessoas pode dizer muito acerca delas, da saúde e até do estado de espírito."

Hoje, foi, realmente, um dia para observar, para estar atenta. E eis que no meio de toda a atenção, me cruzei com a insensibilidade.

No 28, ia um sujeito que, pelo aspecto, aparentava ter uns cinquenta e poucos anos. Durante os vinte minutos do percurso, o homem foi dialogando com uma senhora que estava sentada ao seu lado. Começou com a habitual conversa sobre o tempo, dizia que estava muito frio, a senhora dizia que, mesmo dentro de casa, continuava com frio, quando o homem disse que ia dormir dentro de um saco-cama, tapado com um papelão, numa esquina qualquer. Foi aí que começou a contar, resumidamente, a sua história. Tinha quarenta anos, nasceu em Chelas, fora para o Algarve e regressara há três meses porque se divorciou e não conseguia viver 'às custas' de uma mulher. Tinha filhos e a filha mais velha, segundo ele, mais inteligente que o pai, emigrara para Inglaterra com dezoito, dezanove anos e já tinha filhos. Ele 'trabalha', "recolho do lixo, o aproveitável e vendo". Por detrás daquele homem, que pelo aspecto, não aparentava ser sem abrigo, apercebi-me de um 'farrapo', que no entanto, mantinha no tom de voz a esperança de um futuro melhor, mantinha a esperança de encontrar uma assistente social que alguém lhe indicara mesmo depois de passar uma noite ao relento, muito provavelmente, sem jantar e sem companhia...

E eu ia, desconfortavelmente, fria, naquele fim de tarde, cansada e desorientada pelo trânsito, pelo barulho dos carros que apitavam, incessantemente, do lado de fora do vidro e senti-me, obviamente, insensível. Como posso eu pensar que estou mal? Afinal, estou bem. Ainda agora li que "descansar" devia ser uma palavra abulida do nosso dicionário, porque para descansar temos a eternidade. Afinal, não tenho frio, estou quente... E, pior, muitas vezes não sei reconhecer o valor desse calor, nem dou graças por ele...

Pergunto-me, onde será, com quem será, como será que aquele homem irá passar o Natal?

2 comentários:

  1. A vida consegue ser mesquinha muitas vezes... se me agarro à coisas do mundo, a mim própria, e vejo só com os meus olhos, só vejo disparates... nem sempre é fácil estar perante as vidas difíceis e tramadas que me surgem pela frente...
    e fico muitas vezes a remoer, sem conseguir (graças a Deus!) ficar indiferente ao que estou a ver e a ouvir da boca dos doentes... e é nessas alturas que vou aproveitando para agradecer o que tenho e para me comprometer em estudar e vir a conseguir ajudar algumas destas pessoas...
    obrigada pelo post, ajudou-me a rezar...

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  2. Não precisas de olhar muito longe, para veres que o Natal é uma época de solidão para muita gente...

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