Partindo da perspectiva exposta no excerto abaixo transcrito, apresente uma reflexão sobre a viagem como possibilidade de descoberta do outro e, também, de si mesmo.
«Apoderou-se de mim uma fúria de viajar. Mas acima de tudo queria voltar à Grécia, que foi para mim o deslumbramento inteiro e puro e onde me senti livre e com asas.»
Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena
A viagem possibilita a descoberta do outro e a descoberta de si próprio. Ao descobrir o outro é possível ainda a descoberta de nós próprios, do que somos para o outro, uma vez que, cada outro tem uma parte de nós. Podemos, ainda, experimentar a perspectiva deste "outro" ser o mundo e tudo o que nele se enquadra e, desta forma, é, facilmente, possivel apoderar-se de nós "uma fúria de viajar", para que nos sintamos livre e "com asas".
Qualquer que seja o meio em que a viagem exerce, quer seja no outro ou em nós, viajar é como outrar-nos para descobrir, é como sair do nosso corpo para experimentar um "deslumbramento inteiro e puro".
Qualquer viagem implica disponibilidade. Essencialmente, disponibilidade interior. Quando a viagem se destina à descoberta do "eu", implica estar disponível para questionar e para dar resposta às próprias interrogações, implica abrir o coração e deixar-se tocar pelo mundo exterior, deixar-se envolver, deixar-se transformar. Mas nem sempre estamos dispostos a dar-nos a conhecer a nós próprios. Quantas vezes utilizamos o espelho como simples adereço, apenas para verificarmos o reflexo da nossa aparência? Um espelho pode mostrar-nos muito mais que isso. A forma como interpretamos, uma observação cuidada do nosso reflexo num espelho, pode dizer muito acerca de nós! É tantas vezes mais fácil viajar de outra forma... É tão mais fácil pegar num mochila e ir descobrir o mundo, sentir-se livre das questões interiores e do próprio eu...
No entanto, viajar é isso. Seja qual for o destino, viajar é abrir asas e voar, porque "quem cria mil olhos para nada" não pula nem avança, porque "quem cria mil olhos para nada" não vive, apenas sobrevive.
Liliana Nabais, Exame Nacional Português 2010